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9 de outubro de 2017

FOGO NA LENHA E NOS CORAÇÕES






FOGÃO A LENHA

Fogão que faz as vezes de lareira!
Local onde, já cedo, a cada dia,
buscamos liberar a energia
do sol como estocado na madeira.

Local onde, de forma rotineira,
com jeito, sem qualquer sabedoria,
usamos, numa espécie de magia,
o sol sob as panelas e a chaleira.

Como esse, da cozinha, aceso e quente,
exista um fogão dentro da gente
com dispersão de ondas aquecidas!

Que nossos abrasados corações
mobilizando o Sol, como fogões,
aqueçam relações arrefecidas!

            Estamos diante de um dos mais lindos sonetos de temática interiorana da Literatura Brasileira. Seu autor, também do interior do Brasil, nascido em Ilhota, Santa Catarina, atualmente mora em Blumenau, uma cidade de maiores dimensões, onde se aposentou, sem antes muito labutar em variados segmentos produtivos, inclusive, no magistério superior. Mas sua verve poética respira a temática intimista e, muitas vezes, discorre sobre temas do cotidiano, deixando aí transparecer sua identificação com os momentos da vida pacata desses bucólicos e aprazíveis lugares de nossas  regiões interioranas.
            Ayrton é um mestre na criação harmônica de seus decassílabos, sáficos e heroicos, misturando as estrofações, aleatoriamente, mas mantendo um ritmo fortemente comprometido, sempre, com o desenvolvimento temático de suas composições. Refiro-me às estrofações dos tipos ABAB  E  ABBA, nas quadras de seus sonetos.
            O soneto em destaque, FOGÃO A LENHA é uma primorosa composição de cunho imprecativo, como súplica poética, usando os modos verbais adequados para tanto: “exista um fogão dentro da gente”; “aqueçam relações arrefecidas!”. Tal situação inclui, também, o soneto na ordem dos discursos filosóficos, com tratamento comezinho.
O desenvolvimento do tema, que é o retorno ao convívio sadio e amoroso das relações interpessoais, apropria-se de antigas imagens, como “o calor do sol” e “o fogo da lareira”, mas a maestria e a sensibilidade lírica  de Ayrton Mafra,  criaram uma nova forma expressiva, num inconfundível estranhamento poético: “Como esse, da cozinha, aceso e quente, / exista um fogão dentro da gente”. É uma inédita metáfora, a do aquecimento do sol e o aquecimento dessas mesmas relações degradadas, carcomidas, talvez, pelas mesmices do dia-a-dia, no convívio permanente.   
Já o tratamento dado pelo poeta às estruturas mórficas do poema é o outro ponto fundamental para o êxito da enorme dimensão artística do soneto. Na primeira quadra o enjambment encontrado entre o terceiro e o quarto versos -  “buscamos liberar a energia / do sol como estocado na madeira” – imprime à narrativa lírica, servindo-se também de expressiva hipálage, o ritmo crepitante do fogo a alastrar-se, tendo o vocábulo COMO (4º verso) o sentido de enquanto, conjunção adverbial temporal, e não uma simples conjunção comparativa.
 O primeiro terceto, onde inicia a transfiguração da realidade, passando-se do plano das ideias concebidas para as ideias pretendidas, isto é, onde se unem os diversos elementos da metamorfose poética, esse primeiro terceto – insistimos – é composto por expressivo hipérbato, envolvendo a elipse do termo FOGÃO, enquanto sujeito, subentendido, facilmente, pelo leitor, como se estivesse presencialmente grafado, tal a força retórica desta construção. Uma estrutura frasal elaboradíssima, beirando a técnica dos versos imprecativos de Augusto dos Anjos.
A chave-de-ouro do soneto insere-se numa comparação tácita, deixando-nos mentalmente contemplativos, absorvidos pela beleza da criação poética, uma marca registrada desse grande poeta catarinense, que, em breve, lançará mais um livro de poesias, para nos emocionar cada vez mais, com suas encantadoras composições.

ATÉ A PRÓXIMA

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.