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31 de agosto de 2017

UM CONSTRANGIMENTO



Vou comentar, como faço nesse espaço, TROVAS, TROVINHAS E TROVÕES, uma trova classificada em primeiro lugar no 5º concurso, da 5ª Etapa, intitulada Trovas para Uma Vida Melhor, na Busca da Paz, do Equilíbrio em Sociedade.

O Tema escolhido foi CONSTRANGIMENTO.

Absolutamente não quero ser um desmancha-prazeres na busca da paz e do equilíbrio em sociedade, o que, evidentemente, se assim procedesse, não poderia estar a serviço de qualquer estética, muito menos a serviço de uma vida melhor. Mas meus comentários críticos são sempre para melhorar o desempenho de nossa poesia, expressa também por essa forma de poema fixo, a trova, tradicional na lírica occitânica, em língua portuguesa.
A trova classificada em Primeiro lugar, de Julimar Andrade Vieira, de Aracaju, Sergipe, foi a seguinte:


“Constrangimento terrível
o ser humano suporta,
ao ver seu sonho impossível
tornar-se esperança morta”.


Em primeiro lugar, o tema desenvolvido por qualquer trova deve se apresentar em versos heptassilábicos, conhecidos como Redondilha Maior, tradicional da lírica da Península Ibérica, desde o século XII. Depois, o sentido, isto é, o significado que envolve os significantes deve estar impecável, quanto à semantização de toda a estrutura material do poema. Em outras palavras: a trova tem que ter sentido. Não pode ter meio sentido. E o que dá sentido ao texto poético?  São as estruturas sintáticas, e suas combinações, não só entre forma e conteúdo, mas, principalmente, entre as relações sintagmáticas na constituinte gramatical de todos os vocábulos, envolvidos em sua construção, com todos os seus significados denotativos, mesmo sendo empregados conotativamente, a serviço, inclusive, de uma estética da hermenêutica. Ora, vejamos a interpretação da referida trova de Julimar Vieira, acima transcrita. 


O ser humano suporta muita coisa, inclusive constrangimentos terríveis. Um deles é ver seu sonho POSSÍVEL tornar-se uma esperança morta. Aí está o grande constrangimento. Mas o poeta usou o significante “impossível”, deixando o conjunto sem nenhum sentido. Vamos burilar esses comentários. Sonhar é possível, pois todos nós sonhamos. Portanto, todo sonho é possível, mas não pertence ao real e, assim, não tem comprometimento com a vigília, além de não ter obrigatoriedade com o realizável. Quando se atesta a impossibilidade do sonho, aí, sim, ele se torna esperança morta, acabado, finalizado. Mas para que isso aconteça, o sonho tem que nascer possível, sem aquele prefixo - IN - que tirou todo o sentido do pensar poético. A voz do poeta, que materializou, em trova, esse pensamento, recheado de excelente conteúdo filosófico, se confundiu com os significantes da língua, numa incompetência da competência do falar, isto é, da parole, enquanto parte material da langue.  Por outro lado, pode haver nisso tudo, também, uma grande inverdade, causando ao crítico um imenso CONSTRANGIMENTO. Isso ocorreria se a presença desse incômodo prefixo de negação, / IN / tivesse sido colocado, pela empolgação de um copista distraído, fato que se caracterizaria como uma ultracorreção gramatical, modificando totalmente estes comentários. 

ATÉ A PRÓXIMA

25 de agosto de 2017

QUASE UMA DÍZIMA PERIÓDICA EM LINGUAGEM



- O que você faria se seu filho estivesse usando twitter? Perguntou o repórte.
- Eu dava uma surra nele que ele jamais poria essa porcaria na boca!
Sinto muita pena dessa minha gente humilde, boa, honesta e crédula, inclusive mantendo o maior respeito com o profissional da televisão, pensando que a pergunta fosse sobre a utilização de drogas. Pois é! Um repórter de TV fez essa pergunta, em tom de gozação, mas, creio que estava também buscando resultados, possivelmente encomendados pela sua produção, procurando mostrar outras coisas, para futuras  pautas. Também usei, em meu ofício, artifício parecido, aliás, bastante parecido.
Certa ocasião, para mostrar aos meus alunos a arbitrariedade do signo linguístico e a função de gramaticidade da língua, enquanto sistema de signos, perguntei à turma se eles gostavam de GALOMA. Uns se comportaram como essa entrevistada, a moça que respondeu ao repórter, pensando até em algo impróprio e proibido de se usar. Outros perguntaram o que era GALOMA. Então, continuei, dizendo: - Vocês vão saber o que é, mas vejam essa frase que vou escrever no quadro-negro: “Lá em casa tem um pé de GALOMA, mas ainda está todo em flor”. Aí, um aluno esperto, disse: - No sítio de meu avô tem muito pé de GALOMA. É uma fruta muito doce. Tentando levar a conversa com a turma para o meu plano de ação, em seguida, retruquei: - “GALOMA pode até ser fruta, mas GALOMA, agora, é um verbo. E vocês todos sabem conjugá-lo. Vamos conjugar esse verbo? Que verbo é esse? - GALOMAR respondeu toda a turma, uns rindo e outros mais compenetrados, à espera de alguma coisa muito importante, que viria por aí e que eles não sabiam bem o que era. E continuei animado: “Eu galomo, tu galomas, ele galoma, nós galomamos, vós galomais, eles galomam”. Um outro aluno bem atento, ou provocador, perguntou lá do fundo da classe: - Professor, GALOMAR é verbo transitivo direto, indireto ou intransitivo. Eu respondi:  - “É transitivo direto, pede objeto direto, sem preposição. Senão, vejamos este período, que eu vou escrever bem embaixo do primeiro, agora, com giz amarelo.  E caprichei com letras bem arredondadas: ONTEM EU GALOMEI UM LINDO AZERUTAN. Qual é o objeto direto? Todos, estrondosamente, responderam: AZERUTAN ! Aí, começou tudo de novo... Entenderam, né?


ATÉ A PROXIMA


12 de agosto de 2017

A GALINHA COMEU




O que eu vou contar hoje é só para aqueles que viveram o tempo, onde uma expressão de “bullying” para gozar os trabalhadores da limpeza urbana era muito comum, principalmente no Rio de Janeiro. Isso há muito tempo... Era um sábado e o trânsito fluía encantadoramente. Percebi que não me atrasaria para o encontro marcado com meu amigo, no clube da cidade. Ledo engano. Mal dobrei o sinal, ou a sinaleira, como costumam chamar aquelas três luzes coloridas do trânsito, por estas bandas do sul, onde agora resido, vi tudo parado. Pensei num baita desastre, pois os fins de semana são tranquilos nas ruas esburacadas dessa bela cidade germânica, fundada pelo Dr. Hermann Blumenau, há muitos e muitos anos... O mais estranho é que se ouvia uma berraria danada. Umas músicas esquisitas, cantadas e esgoeladas por alguém de voz de taquara rachada. E quem cantava corria em redor de um enorme veículo verde, roncando o motor, na frente de carros que, educadamente não buzinavam. Percebi que a companhia de limpeza urbana estava trabalhando, não em silencio, mas euforicamente, na voz de um dos alegres lixeiros que pulava do balaústre traseiro do grande veículo, para as calçadas, recolhendo os sacos pretos e as caçambas de detritos das casas e dos prédios, cantando alto e bulindo com os passantes, chamando, mesmo, a atenção de todo mundo. Feliz com seu ofício ia se retorcendo agilmente da traseira do caminhão para o meio-fio das calçadas, com uma satisfação emocionante naquilo que fazia, nem se importando com o cheiro desagradável que saía de alguns sacos de lixo, já rasgados por cães vadios da cidade. Muitos carros à minha frente conseguiram trocar de faixa de rolamento e eu fiquei bem atrás da oficina de trabalho daquele jovem lixeiro, que parecia ter tirado a sorte grande, trabalhando penosa, mas alegremente num ofício, misto de picadeiro de circo e usina de reciclagem de dejetos urbanos. E o rapaz cantando, jogava todo o lixo lá para dentro. Pulava para todos os lados e não deixava um só saco negro na calçada. Apanhava dois, três ao mesmo tempo, e voltava para o estribo traseiro do caminhão, sempre falando muito alto e bulindo com todo mundo. Pelo caminho, às vezes, não havia nada para apanhar e o nosso herói ia, aos berros, dizendo gracinhas para os que passavam ou estavam parados na rua. Gritava e fazia piruetas, verdadeiras acrobacias na traseira do caminhão de lixo. Sua alegria extravagante, naquele trabalho insalubre, era também observado, com espanto, pelos motoristas dos carros que seguiam a procissão. Quando o caminhão passou por uma grande estação terminal de ônibus urbanos, cheia de gente, o rapaz exagerou e botou pra quebrar, caçoando de todo mundo, de maneira até quase desrespeitosa. Nesse momento, juro que ouvi, saindo lá de dentro, do fundo do tempo, uma voz cavernosa, lançando no ar um grito espetacular: A GALINHA COMEUUUUUUUUUUUU! Creio que ninguém entendeu aquele urro, um urro atemporal de “bullying” de rua, dos tempos de minha juventude, no Rio de Janeiro. Voltei ao passado alegre de minha infância, quando a gurizada gozava, inocentemente, todos os lixeiros, que se empoleiravam atrás de caminhões fedorentos de lixo, sem saber o que significava essa enigmática expressão, desconhecendo totalmente o valor daqueles trabalhadores que se engajavam num trabalho quase degradante, para deixar limpinha a cidade que nós todos sujávamos, infantilmente, sem nenhuma noção adquirida de cidadania... 

ATÉ A PRÓXIMA

1 de agosto de 2017

UMA TROVA HUMORÍSTICA









O ritmo inspiratório e expiratório do ato da respiração corresponde ao tempo da pronúncia de um verso de redondilha maior, ou heptassílabo, na língua portuguesa. Por isso, existem versos de rendondilha maior que são pronunciados nesse tempo subjetivo, muitas vezes, e que não correspondem aos parâmetros dos pés poéticos de nossa língua. Sabemos que em português há os seguintes pés métricos:

             troqueu ou trocaico: ó – o                                                                                 (ca – sa)
             jambo ou jâmbico: o – ó                                                                                   (can- tar)
             dáctilo ou dactílico: ó – o – o                                                                        (pá – li – do)
             anapesto ou anapéstico: o – o – ó                                                          (per – ce – ber)
             péon primo ou peão primeiro: ó – o – o – o                                         (ví – a – mo – lo)
             péon quarto ou peão quarto: o – o – o – ó                                         (re – vo – lu - ção)

Todos correspondem a vocábulos morfológicos ou a vocábulos fonéticos. Vocábulos morfológicos são as palavras da língua, com mais de uma sílaba. Ex. os substantivos, os adjetivos, os verbos, os advérbios, algumas preposições, algumas conjunções, algumas interjeições. Vocábulos fonéticos são vocábulos morfológicos que aglomerados formam um tipo de pé métrico. Ex. Visconde de Abaeté.
Observe: 1- na pronúncia, houve a queda da preposição DE.  Esse fenômeno é uma haplologia sintática. 2- em seguida, houve, ainda na pronúncia, a formação de um ditongo crescente intervocabular, formado pela última sílaba de VISCONDE e a primeira sílaba de ABAETÉ. /dya/.
É, também, importante salientar que na língua portuguesa não há a possibilidade de existir mais de três sílabas átonas seguidas, sem que uma se torne tônica. Portanto, não existe, em português, o seguinte pé métrico: (- o – o – o – o -), isto é, sequência de três sílabas átonas. Se houver, uma vai se tornar forte, tônica.
Assim, a pronúncia de Visconde de Abaeté será viscondyabaeté, formando dois pés métricos. Um jâmbico (o – ó), vis – com; e outro péon quarto (o – o – o – ó), dya – ba – e – té.    
Na métrica portuguesa os versos de duas a doze sílabas têm nomes especiais, de acordo com o número de sílabas, mas só apresentam cesura fixa rígida os versos decassílabos e alexandrinos, isto é, os de dez e doze sílabas métricas, respectivamente, e alguns outros. Portanto, os chamados versos menores não apresentam necessariamente cesura, isto é, não precisam se enquadrar nos tipos dos pés métricos apresentados acima. Contudo, os pés existem, pois foram adaptados à estrutura fônica da língua portuguesa, que é de ritmo intensivo e não de ritmo quantitativo, como o grego e o latim.  Joaquim Ribeiro dizia que o ritmo é tão presente na língua falada que até os xingamentos são vociferados em redondilha maior...
Isso posto, passemos a examinar, os versos da seguinte trova de Antônio Juraci Siqueira:

Cinco litros entornava!
Nunca vi alguém beber tanto!...
E, quando alguém perguntava,
dizia que era "pro santo".

Trata-se de versos heptassílabos como ocorre nas trovas, um tipo de poema de forma fixa, composto de quatro versos de sete sílabas métricas cada um, com rimas no esquema ABAB.
O que tentaremos ressaltar nessa análise é justamente um fenômeno fonético interessante, que ocorre em versos menores, quanto ao número de sílabas métricas, justamente aqueles que não apresentam cesura fixa. Ocorre que a pronúncia do verso desfaz a cesura que se consubstanciou, não fora propositadamente estabelecida no verso.  Isso ocorreu no segundo verso da trova. “Nunca vi alguém beber tanto”. Se aplicarmos as cesuras, teremos: Um pé anapéstico: NUN – CA - VI  (o – o – ó); um pé jâmbico: AL – GUÉM (o- ó); outro pé jâmbico: BE – BER (o – ó); e um pé trocaico: TAN – TO (ó – o). Mas na leitura, obtém-se sete sílabas métricas, desprezando-se os pés métricos, por força do surgimento de um tritongo, fenômeno fonético intervocabular / vyaw /, caso específico de sinalefa.
Concluindo, diríamos que o verso pode ter sete ou oito sílabas métricas, bastando o leitor focar a leitura, inconscientemente, nos pés métricos ou obedecer ao seu ouvido, buscando o ritmo heptassílabo, vindo do primeiro verso, que possui, indiscutivelmente, sete sílabas métricas, distribuídas pelos três vocábulos morfológicos: cinco, litros, entornava: um numeral, um substantivo e um verbo, todos vocábulos com plena significação semântica.  O terceiro verso da trova apresenta uma conjunção aditiva, que tem o papel fônico de compor a estrutura rítmica, apresentando o quarto e último verso uma sinalefa forçada, para compor, igualmente, o ritmo da redondilha maior.
Esta trova, um tipo de quadra, é uma peça humorística, onde a brincadeira compõe uma estrutura rítmica dentro dos padrões da língua portuguesa. Portanto, vimos que qualquer texto poético, estruturado ritmicamente, isto é, enquadrado dentro de parâmetros e regras de confecção, pode servir de matéria prima para a microanálise estrutural de formas e conteúdos. Trata-se de uma entre outras formas de poema fixo, que nos deu bom exemplo de um tipo de humor: o humor como riso.
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Quem sou eu

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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.