-II-
De Nova Friburgo tomamos a
direção norte do Estado. Ao ver, numa placa da estrada, a indicação da
quilometragem para se chegar a Cantagalo, meu amigo fantasma que havia acabado
de tirar uma soneca, gritou que eu tinha de tomar cuidado, pois havia muitos
índios naquela região. Acalmei-o, dizendo que os índios não habitavam mais
aqueles sítios, desde o meado do século XIX. A colonização daquelas áreas fora
realizada por portugueses mesquinhos, ávidos por procurar só ouro e nada mais.
Assim subjugaram e dizimaram a já pequena população de Coroados e Goitacases,
que por aquelas bandas formavam suas tribos. Mas meu amigo insistiu que aquela zona era bem
perigosa. Não só pelos índios, mas pelo bando de “Mão de Luva”, alcunha de um ambicioso português, atacado pela febre
do ouro, que garimpava por aqueles lados, agindo ao arrepio da Lei. Disse-lhe
que isso fora há muitos anos, esquecendo-me de que os nossos tempos não eram
iguais. Concluí, falando que “Mão de Luva”
foi preso, denunciado por um homem de seu bando que dormiu e foi acordado pelo
canto de uma espécie de um galo da terra, conhecido até hoje como galo índio. Só
que o canto do galo chamou também a atenção dos soldados da milícia portuguesa,
que já estavam na caçada do meliante e prenderam todo o bando de “Mão de Luva”. Canta, galo danado! Canta!
Cantagalo passou e não precisamos passar
por lá. Seguimos na direção de Macuco. De lá, para Santa Maria Madalena. Atravessamos
pastos amarelos de cupinzeiros enormes e pouquíssimos bois. Muito calor por
aqueles sítios. A paisagem já não era tão bonita como a da Serra do Mar, mas
trouxe-me muitas recordações. Umas até tristes... Hoje, o asfalto leva ao final
da linha um constante e bem-vindo progresso. Cruzamos com inúmeros ônibus de
carreira e o trânsito em geral nos surpreendeu. Automóveis do ano, caminhões
elegantes, cheios de carga. Nada de carroças e latas-velhas enguiçadas,
fervendo, vertendo fumaça, encostadas nos barrancos. Até a brancura do meu amigo,
que tinha tirado um cochilo, me perguntou se estávamos no caminho certo,
acrescentando que havia muita gente por aquelas plagas e isso era meio
assustador. E rematou: -“Onde está a
linha de comboios a vapor, que havia por esses matos”? Pareceu-me, todavia,
cansado, pois seu deslocamento aqui na Terra se faz de outra forma, por fendas
no espaço-tempo, o que para ele é a coisa mais simples da vida. Quer dizer, da
morte, ou... sei lá, Caramba! Ainda não me acostumei com esse meu amigo do
outro mundo! Chegando à Serra do Fumal
sentimos o piso asfáltico com pequenos buracos. Lembrei-me do sufoco por que
passei nessas subidas, com meu pai, no seu preto e velho Ford, ano 40, que
fervia mais do que aquela Maria Fumaça a que meu amigo fantasma, há pouco se
referiu. Quando chovia, tudo aqui ficava intransitável. Lembro-me de que sempre
havia alguém que comunicava à cidade o estado dessa estrada. Se dava para carro
passar ou não. Agora, que beleza! Deslizávamos, numa sexta marcha pedida pelo
possante motor de meu carro novinho em folha! Botava mais velocidade no
veículo, querendo chegar cedo, pois os raios daquele sol alaranjado que se
escondia atrás das montanhas escuras, faiscavam em meu peito, trazendo-me aos
olhos uma saudade indescritível que só os amigos fantasmas entendem. Ele passou
suas alvas mãos algodoadas por minha cabeça e disse que ainda teria muitos
momentos de vibrantes emoções. Chegamos ao Largo do Machado, um bairro, ou
comunidade, não sei bem como dizer isso hoje. Um lugarejo com bastante comércio,
muitas casas juntinhas, umas das outras, com uma pequena rotunda e um poste de
iluminação pública, bem no centro, uma graça! Nesse momento, não sei dizer,
realmente, se é um bairro ou um distrito. Mas sei, perfeitamente, que a cidade onde
meu pai nascera e onde meus avós e bisavós criaram heroicamente sua prole, a Santa
Maria Madalena das férias da minha infância, naquele instante, se presentificava
inteirinha, atavicamente, em minha memória. –“Pare lá na Biquinha!” Meu Deus,
ele conhece mesmo esse lugar..!
ATÉ A PRÓXIMA