Quantos me visitaram ?

23 de março de 2017

SONHO DE UM CANTADOR







Ainda não havia visitado o Teatro Carlos Gomes da cidade de Blumenau. Há alguns dias vinha recebendo informações cifradas de meu amigo fantasma, que, diga-se de passagem, não se comunicava comigo uma eternidade. Exageros etéreos à parte, caracterizado por esse ridículo hipérbato, resquício de minha profissão, já deixada para trás, não pude me esquivar de atender ao meu branco, enfumaçado e dileto companheiro, depois que ele deixou um convite, misteriosamente enviado e que ficou estampado numa aba inferior do écran azulado de meu computador. Para quem já se esqueceu de quem se trata, ou para os que nunca leram minhas crônicas catarinenses, recheadas de inúmeros absurdos, esse fantasma amigo é um nobre português de priscas eras, que tem laços de parentesco com importantes famílias germânicas e italianas do início da Idade Média. Aqui no sul do Brasil, onde agora resido, meu amigo de outras dimensões já comigo viajou e me esclareceu inúmeras situações históricas, levando-me a sítios espetaculares, onde seus parentes edificaram, com muito trabalho e denodo à terra, núcleos colonizadores que hoje orgulham todos os brasileiros, descendentes ou não desses povos europeus. Conheci-o no Castelo da Penha, nos arredores de Lisboa. Veio comigo para o Brasil dentro de minha bagagem de mão, num inesquecível voo da TAP, que chegou com algum atraso ao aeroporto internacional Antônio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro, em 1985, pois se materializou no banheiro e quase instalou o caos total entre comissários, aeromoças, pilotos e copilotos, além de alguns estupefactos passageiros.

Extraí do computador o convite para a apresentação do show indicado, que se realizaria numa quarta-feira, às 20 horas, no teatro municipal destas terras de raízes alemãs e me preparei para o espetáculo. Ele me perguntou se conhecia as estórias sobre o Teatro Carlos Gomes que corriam à boca folclórica, desde os longínquos tempos da Segunda Guerra Mundial. Desconhecia. Mas como você é desinformado, replicou cavernosamente  – creio que de propósito – muito mais para chamar atenção ao que iria me contar em seguida, do que para me repreender pela ignorância declarada. E continuou. O teatro é uma réplica do quepe militar do Fuehrer, Adolf Hitler, e tem inúmeras passagens secretas em seu interior, ligando as coxias ao rio Açu, o belo e bestial Itajaí!  Já se chamou Sociedade Teatral Frohsinn e só depois da última grande guerra mundial é que passou a ter esse nome de Carlos Gomes. Fiz cara de incrédulo. Sei lá se há cara que registre isso, mas, a princípio, não acreditei. Então, eu querendo bancar o sabido, perguntei se ele conhecera ou se fora parente ou contraparente da tal família Frohsinn. Respondeu-me com um sorriso esbranquiçado, tendendo para um amarelo debochado e desbotado que Frohsinn não é e nunca fora  nome de nenhuma família. Frohsinn é um substantivo comum, masculino e significa alegria, jovialidade. Portanto, não é um nome de família, como alguém poderia pensar. Em seguida, jogando fumaça fora, para todos os lados com os braços inquietos, disse que se lembrava de uns parentes, por parte de pai, que trabalharam na Sociedade Colonizadora Hanseática, criada em Hamburgo em 1897. Tal Sociedade  iria substituir a organização responsável pela fundação de Joinville. Seus descendentes estariam nessa noite de quarta-feira, para assistirem, também, ao interessante espetáculo musical. Eram descendentes de alemães, portugueses e também muitos italianos. Eu passei de apreensivo a contente, pois senti firmeza em meu amigo branquinho.  Acreditava, mesmo, em tudo que ele dizia, pois os fantasmas estão acima do bem e do mal, como também, por serem criaturas atemporais, vivem numa única dimensão, sem presente, passado ou futuro. Não se sujeitam ao nosso sistema de vida, no qual os acontecimentos, como a nossa fala também, estão sujeitos e colocados na linha do tempo, surgindo uma coisa após outra, na sucessão inexorável do bater dos segundos, milagre que não pode ser repetido neste mundo dos mortais...

Fui ao Teatro Carlos Gomes assistir ao “Sonho de um Cantador” com Deco Dalponte e sua banda. Entrei. Passei a transitar entre o grande público, ainda nos corredores de acesso ao palco e percebi, pelo sotaque do pessoal, que meu amigo  fantasma estava certo. Havia muitos descendentes de alemães e italianos, ali naquela festa que movimentava as atividades culturais de Blumenau. Sons guturais dos descendentes germânicos se misturavam com a doce sonoridade de carcamanos genoveses e de várias outras regiões da grande península do Mediterrâneo. Realmente o show de Deco e sua Banda, Sonho de Cantador, seria aplaudido por todos os seus amigos presentes, de todas as origens, híbridos ítalos-germânicos, portugueses, gaúchos, catarinenses desta e de outras cidades. Deco, cantando, contou sua vida, desde Concórdia, onde nasceu, passando por Marcelino Ramos, município gaúcho onde iniciara sua vida de cantador, até chegar aqui, nesta cidade que o acolheu definitivamente. Não deixou de fazer referências às suas viagens à Europa, quando visitou a Itália de seus antepassados maternos. A Alemanha e a França também ouviram e aplaudiram suas românticas cantigas e seus roques pós-modernos. A presença de Leco, firme e resoluta no palco, contagiou a plateia, principalmente pela animação das vibrantes tarantelas, cantadas por todos os presentes, que aplaudiam os bonitos números apresentados. Sua família, envolvida no espetáculo, serviu para humanizar ainda mais a bonita e bem organizada festa musical, que levou à sociedade blumenauense muita alegria e uma excelente música. Estava tudo perfeito. Pessoas de seu convívio e de sua história de vida foram homenageadas, comovendo todos nós. Seus filhos encantadores extasiaram o público. Tudo estava perfeito, da iluminação ao som ambiente. Das seleções musicais, quase todas de sua autoria, às apresentações dos “miúdos”, que encantaram meu amigo fantasma, nessa noite espetacular, onde conheci mais um monumento dessa encantadora cidade de Blumenau, predestinada ao sucesso pelo vigor de seu povo e pelo trabalho honesto de seus cidadãos.


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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.