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24 de fevereiro de 2016

DIANTE DA PEDRA FURADA






Como fazia muito calor no vale do Itajaí, onde atualmente estou morando, resolvi subir ao planalto catarinense para respirar aquele ar fresco das redondezas de Lages, Urubici e Urupema. Há muito tempo não ia para aquelas bandas.

Mesmo nas amenas relvas da baixada do centro do município de Urubici, onde me hospedei, o calor ainda era intenso e o céu azul, quase sem nuvens, deixava o sol à vontade para reinar, fervendo, sobre as nossas cabeças. A paisagem esverdeada da mata fechada, ao fundo da cidade, era convite certo para um passeio até ao alto da Serra Geral, onde no Parque Nacional de São Joaquim, poderia contemplar do Morro da Igreja, a fantástica formação geológica, conhecida como a Pedra Furada, praticamente por cima da região habitada mais alta de Santa Catarina.  Ali inicia um desfiladeiro impressionante, imenso, recoberto por todos os tons de verde, despencando em direção ao infinito. É um mar de araucárias, ipês, jequitibás, aroeiras, carvalhos, caúnas, pinheiros-bravos, araçás e xaxins de tirar o fôlego de todos os visitantes que não se cansam de fotografar aquele quadro primoroso, pintado pelo Criador.

Mas num piscar de olhos tudo muda a nosso redor, pois uma neblina envolvente, vinda das profundezas das grotas e grotões, precipícios profundíssimos a nossos pés, sobe com um vento bem frio e cobre aquela paisagem estonteante, envolvendo-nos numa fumaça branca que não deixa mais ninguém ver nada, nem a  um palmo do nariz.

Senti um arrepio percorrer minha espinha de alto a baixo. Pronto. Ele voltara de um longo período de ausência. Aproveitou-se do ambiente esfumaçado e se materializou sorridente ao meu lado, tentando me dar um gelado abraço. Já  esfriara bastante. Dirigimo-nos para o meu carro e iniciamos uma boa conversa.

Trouxe-me alvissareiras notícias, pois mesmo ausente, podia saber do que me afligia, de como estava minha saúde, como e em que trabalhava ultimamente, enfim, sabia tudo sobre mim, desde que retornou, há cinco anos, a Portugal. Como já estivera comigo por estas regiões do Planalto Catarinense, nessa mesma época de verão,  e não me encontrando no litoral, nem nas várzeas dos vales, partiu para cá em seu voo mágico e me localizou com facilidade por estas bandas, com as quais muito me identifico.

Disse-me que encontrara, em um castelo de Braga, com uma santa alma que conhecia meus antepassados, aliás, de família distintíssima, singela e nobre. Como pode isso? Não entendi, a princípio, esses antagônicos significados. Mas meu querido amigo fantasma, já conhecido de meus leitores, muitas vezes se expressa com vocábulos modernos, mas com sentidos de sua época, lá pelas eras medievais ou de alguns séculos atrás. Realmente, era isso! Singelo de singulus, sem complexidades, puro, desprovido de enfeites, único. Fiquei curioso e disse-lhe que queria ouvir com toda atenção essa história contada a ele por aquela alma penada que vagava pelos castelos bracarenses.

O sol, em seu declínio, manchou de nácar o denso nevoeiro. Descemos a serra emocionados. Eu pelo esplendor daqueles instantes, quando pude sentir a força da natureza dentro de mim, aumentando o prazer de viver. Meu amigo fantasma por me encontrar ainda com forças, para constantemente viajar e planejar aventuras.  

Fomos para o hotel dormir.

ATÉ A PRÓXIMA


21 de fevereiro de 2016

O CICLO DE TÂNATOS





Morreu na noite de 19 de fevereiro de 2016 um dos últimos autores de leitura obrigatória, citados por meus professores, no Mestrado em Teoria da Significação, que completei na Escola de Comunicação, da UFRJ, em 1984.
Parece que foi ontem...
Como tínhamos trabalhos a realizar! Leituras de artigos, resumos de obras lidas, fichamento de livros inteiros e muitos capítulos de revistas e publicações de jornais. Quanta produção! Quanto empenho! E as resenhas? Não eram fáceis de serem realizadas, mas a dedicação, o empenho e a obstinação de Mário Camarinha, nosso professor e amigo foram determinantes para gostarmos do ofício e muito aprendemos com suas aulas.
Muitos autores de leitura obrigatória já eram falecidos naquela época, onde estudávamos como loucos, bem ali, ao lado do Instituto Pinel...
Sabíamos que Marx (14 de março de 1883), Saussure (22 de fevereiro de 1913) e Freud (23 de setembro de 1939) já eram autores falecidos, mas muitos outros,  não. Continuavam firmes, debruçados em seus trabalhos intelectuais. Lutavam bravamente em suas trincheiras, disseminando a cultura e o conhecimento.
Então, pode parecer estranho, mas gostávamos de saber quais eram aqueles que ainda atuavam em sala de aula, nas suas universidades e desenvolviam suas pesquisas, discutindo suas teorias em palestras, congressos e seminários por esse mundo afora. Um pouco antes de ingressarmos no Curso de Mestrado, da ECO, na UFRJ, soubemos da morte inesperada de Roland Barthes, em Paris, 1980. Comoção incrível no meio intelectual, ligado às áreas humanísticas.   Barthes era outro ícone da semiologia, e no próximo mês de março, no dia 26, completaria 101 anos.  Um ano depois, em 1981, falecia Jacques Lacan, também em Paris, perda irreparável para a teoria psicanalítica, que relia Freud. Mas foi em 1980, com a morte de Marshall McLuhan que o mundo da intelectualidade que orbitava entre o rádio e a televisão sofreu o seu maior golpe. Morre em 31 de dezembro, na cidade de Toronto, Canadá o, então, maior teórico da Comunicação de todos os tempos. Todos os MEIOS se transformaram, verdadeiramente, em MENSAGENS...
Contudo, a vida é assim mesmo, muitas figuras do mundo intelectual resistem mais, outros menos... Claude Lévi-Strauss outro que muito influenciou nossos estudos veio a falecer muito tempo depois daquelas belas aulas  de tantos professores cultos e abnegados. Chegou aos 100 anos de idade, vindo a óbito em Paris, em 2009. Sobre ele escrevi um breve e despretensioso texto. Está em meu Blog (professorfeijo.blogspot.com.br).  Roman Jakobson e Eric Buyssens também ocupavam lugar de destaque na lista de semiólogos e linguistas estudados nas Escolas de Comunicação de todo o país. O primeiro viria a falecer em 31 de dezembro de 1980. Buyssens continuava atuando na Universidade Livre de Bruxelas, em sala de aula, escrevendo e ministrando palestras. Acompanhávamos as atividades intelectuais de ambos, à distância, mas sempre atualizando a leitura de suas obras. Buyssens estava vivo durante o período de nosso mestrado. Seu óbito ocorreria muito tempo depois, em Bruxelas, 19 de julho de 2000. Deleuze, em 1962, conheceu Michel Foucault, de quem se torna amigo até a morte do autor de Arqueologia do saber (1969), em 1984. Um ano depois da morte de Foucault, morre Deleuze, também em Paris, 4 de novembro, bem ao final de nosso Curso.
Continuavam vivos e na bibliografia sugerida por nossos professores, autores como Abraham Moles (+ 1992) e muitos outros grandes estudiosos, cujo saber legaram à posteridade o exemplo da abnegação aos estudos e a perseverança aos objetivos de suas vidas. E Edgar Morin, pseudônimo de Edgar Nahoum, antropólogo, sociólogo e filósofo francês continua vivo. Nasceu em Paris, França, 8 de julho de 1921. Tem, portanto 95 anos. É o mais longevo da Lista Bibliográfica de meu tempo de aluno de Mestrado em Teoria da Significação, da Escola de Comunicação da UFRJ, que contemplava tanto APOCALÍPTICOS como INTEGRADOS.
Por fim, homenageando Umberto Eco, o grande mestre filósofo, semiólogo, linguista, escritor e crítico literário, unanimidade mundial, dono de cultura plurifacetada, podemos afirmar que uma das grandes conclusões a que se pode chegar, testando a teoria do mestre de Alexandria, estudando suas significativas obras, no campo da crítica e da estética literárias, é que a interpretação da escritura de uma obra literária é aberta, como ele dizia, além de se poder considerar o discurso crítico-teórico, ou seja o discurso crítico-literário, em sua materialização, uma produção artística. E ele soube atuar nesses dois segmentos da produção sígnica.  

ATÉ A PRÓXIMA

12 de fevereiro de 2016

O FALAR POÉTICO DE FERNANDO MAIA


O discurso oral também é a instância do poético. Estão a provar tal afirmação as cantigas de gesta. Entenda-se como poético a transgressão do código em que o conteúdo se materializa, transformando a realidade e criando novas formas expressivas. A oralidade perpetuou cantigas breves e poemas longos. Desde Homero, até as cantigas de roda e de ninar da Idade Média, que se estenderam aos dias de hoje, a oralidade foi responsável pela perpetuação de segmentos clássicos de nossa historiografia e de nosso cancioneiro. Isso não causa discussão e tampouco divergências, pois aceita-se e se reconhece a sua força (a força da oralidade) no campo da cultura, principalmente se o código linguístico que a sustenta não tiver registro escrito, isto é, se as histórias, os poemas, os diversos tipos de canções se expressarem numa língua ágrafa.   
Assim, o discurso oral de Fernando Maia expressa o poético. É o seu cotidiano. É a sua inspiração, respiração e expiração. Seu modo de suportar a vida. Fernando decodifica a interiorização de seus sentimentos, sem a ordenação dos descompassos líricos musicais da verve poética que a constitui, mas com o acelerado e acertado ritmo de todos os seus sentimentos. Fernando é juiz do trabalho aposentado, músico e poeta. Falo somente de Fernando Maia, o músico. Como tal, harmoniza a sofrida existência ao compasso do ritmo do sonho, desconstruindo a realidade, envolvida por seu discurso lírico, comprometido na fala do Outro, muitas vezes envolvido por atos falhos, partícipes também de sua inesgotável criatividade.
Fernando Maia é também poeta culto e menestrel. Sua obra, nessa área, consubstancia-se em forma de poemas e cantigas, variando desde os motes infantis até aos temas da arguta filosofia popular, sempre musicando seus textos com uma criatividade ímpar, sem igual. Compositor, letrista e arranjador musical, materializou sua verve musical no CD “PARA A LUA ESCUTAR”, cuja produção, composição e muitos de seus arranjos  deram formas harmoniosas a poemas de amigos diletos.
Ficam, portanto, aqui, neste meu espaço destinado à cultura lírica, algumas palavras sobre esse meu amigo de fina e rara criatividade. Estivemos juntos, há pouco tempo, por alguns dias, é verdade, num encantador recanto da Serra Gaúcha, a cidade de Gramado, e muito conversamos envolvidos pela exuberante natureza daqueles  campos férteis de amenos ares, que muito apreciamos, onde germinam desde as mais tenras gramíneas até as colossais e centenárias araucárias, resistentes às intempéries humanas e climáticas de todos os tipos, desde todos os tempos... Conversamos muito e senti, como sempre, a força de seu falar poético, tão rígido e consistente como os liquidâmbares e cedros das altitudes rio-grandenses. O discurso de Fernando Maia, lá, ressoava, como menestrel citadino, cantando por aquelas plagas serranas sua triste alegria, um bálsamo que reconfortava a nós todos e impregnava os campos que o cercavam, com a cor e o som de sua poesia, mesmo nas mais comezinhas e improváveis situações.

ATÉ A PRÓXIMA



O discurso oral também é a instância do poético. Estão a provar tal afirmação as cantigas de gesta. Entenda-se como poético a transgressão do código em que o conteúdo se materializa, transformando a realidade e criando novas formas expressivas. A oralidade perpetuou cantigas breves e poemas longos. Desde Homero, até as cantigas de roda e de ninar da Idade Média, que se estenderam aos dias de hoje, a oralidade foi responsável pela perpetuação de segmentos clássicos de nossa historiografia e de nosso cancioneiro. Isso não causa discussão e tampouco divergências, pois aceita-se e se reconhece a sua força (a força da oralidade) no campo da cultura, principalmente se o código linguístico que a sustenta não tiver registro escrito, isto é, se as histórias, os poemas, os diversos tipos de canções se expressarem numa língua ágrafa.   
Assim, o discurso oral de Fernando Maia expressa o poético. É o seu cotidiano. É a sua inspiração, respiração e expiração. Seu modo de suportar a vida. Fernando decodifica a interiorização de seus sentimentos, sem a ordenação dos descompassos líricos musicais da verve poética que a constitui, mas com o acelerado e acertado ritmo de todos os seus sentimentos. Fernando é músico e poeta. Como músico, harmoniza a sofrida existência ao compasso do ritmo do sonho, descontruindo a realidade, envolvida por seu discurso poético, comprometido na fala do Outro, muitas vezes envolvido por atos falhos, partícipes também de sua inesgotável criatividade.
Fernando Maia é poeta culto e menestrel. Sua obra lírica consubstancia-se em poemas em forma de cantigas, variando desde os motes infantis até aos temas da arguta filosofia popular, sempre musicando seus textos com uma criatividade ímpar, sem igual. É compositor, letrista e arranjador musical. Materializou sua verve poética no CD “PRA LUA ESCUTAR”, cuja produção com músicas e arranjos seus, deu formas harmoniosas a poemas de amigos diletos.
Ficam, portanto, aqui, neste meu espaço destinado à cultura lírica, algumas palavras sobre esse meu amigo de fina e rara criatividade. Estivemos juntos, há pouco tempo, por alguns dias, é verdade, num encantador recanto da Serra Gaúcha, a cidade de Gramado, e muito conversamos envolvidos por aqueles campos férteis de amenos ares, onde germinam desde as mais tenras gramíneas até as colossais e centenárias araucárias, resistentes às intempéries humanas e climáticas de todos os tempos... Conversamos e senti, como sempre, a força de seu falar poético, tão rígido e consistente como os liquidambares e cedros das altitudes riograndenses. O discurso de Fernando Maia, lá, ressoava, como menestrel citadino, cantando por aquelas plagas serranas sua triste alegria, um bálsamo que reconfortava a nós todos e impregnava os campos que o cercavam, com a cor e o som de sua poesia, mesmo nas mais improváveis situações comezinhas.
ATÉ A PRÓXIMA


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Balneário Camboriú, Sul/Santa Catarina, Brazil
Sou professor adjunto aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sou formado em Letras Clássicas pela UERJ. Pertenço à Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL), Cadeira Nº 28.